A preocupação com o tratamento dos efluentes despejados em cursos d’água é uma constante na tomada de decisões políticas e sociais, acentuada pela crescente poluição e escassez dos recursos hídricos continentais. Com o passar do tempo, verificou-se que as cidades localizadas ao longo dos cursos d'água sofriam com mau cheiro, mortandade de peixes, doenças e outros problemas ocasionados por esta poluição das águas.
Para diminuir a degradação do recurso aquático, o tratamento dos efluentes tem sido implantado nas cidades brasileiras, apoiado pela legislação federal. Essa ação mostra-se satisfatória por reduzir os efeitos dos poluentes despejados nos cursos d’água, porém ainda é adotada em um número pequeno de cidades brasileiras.
Há diversos métodos para tratar os efluentes doméstico e industrial, inclusive o sistema de lagoas tipo wetland onde os altos teores de nutrientes na água propiciam o crescimento de algas e outras plantas aquáticas. Essa vegetação é um habitat adequado para o estabelecimento de algumas espécies da fauna aquática.
Fazem parte dessa fauna: insetos, moluscos, sanguessugas e outros organismos que encontram condições apropriadas para procriação, com disponibilidade de alimentos e locais para postura de ovos e habitação. Alguns grupos de insetos, comuns nesses locais, podem funcionar como vetores de doenças tropicais, como a febre amarela e a malária. Os Chironomidae (família de mosquito da ordem Diptera), apesar de não serem hematófagos, são importantes por serem os mais abundantes no meio ambiente e atuarem fortemente na ciclagem de nutrientes.
Muitas vezes, as estações de tratamento localizam-se dentro (ou na proximidade) de zonas urbanas, propiciando maior risco de contaminação da população pelas doenças citadas. Pensando nessa problemática, propôs-se avaliar a distribuição sazonal de macroinvertebrados aquáticos presentes em uma estação de tratamento de esgoto tipo wetland.
A Estação de Tratamento de Esgotos
O estudo foi conduzido em uma Estação de Tratamento de Efluentes (ETE) domésticos, localizada no município de Piracicaba (SP), a 30 m do canal principal do Rio Piracicaba. Essa estação fica em um bairro residencial, próxima ao centro comercial da cidade e uma das mais importantes áreas de recreação do município está localizada nas imediações da estação.
A ETE tipo wetland é um sistema que foi idealizado para receber o esgoto de um bairro com uma população de 3 mil habitantes e uma descarga de esgoto em torno de 5 a 7 L por segundo. Nesse sistema, o esgoto passa por três etapas sucessivas onde, primeiramente, ocorre a retirada do material grosseiro e homogeneização do esgoto; em seguida, há o sistema de filtração e o sistema de plantas aquáticas, que absorvem nutrientes presentes na água, como o nitrogênio e o fósforo.
A Comunidade de Insetos Aquáticos na ETE
Mais de 1.600 indivíduos foram coletados, dos quais 71 % foram registrados na estação seca que, apesar do grande número de indivíduos, apresentou menor quantidade de famílias – apenas 15 – em contrapartida às 19 famílias observadas na época chuvosa. Calculou-se o índice de Jaccard, que confirmou a baixa similaridade entre as comunidades das duas estações climáticas.
Em relação aos Chironomidae, a família teve maior abundância na estiagem e, dessa forma, influenciou o comportamento da comunidade. Somente indivíduos do gênero Chironomus spp. foram amostrados, indicando a elevada degradação ambiental, já que são capazes de viver em locais bastante poluídos.
Verificou-se preferência pela estação climática de estiagem como período reprodutivo, entretanto, ao se avaliar o comportamento dos macroinvertebrados sem os Chironomidae, obteve-se maior número de indivíduos na época chuvosa. Essa observação é importante porque os Chironomidae possuem maior natalidade na época seca.
Os culicídeos, popularmente conhecidos como mosquitos, pernilongos e muriçocas, foram representados por três espécies (Culex nigripalpus, C. saltanensis e C. culex sp.) e, apesar de terem maior quantidade de indivíduos na estiagem, a diferença entre as estações climáticas foi pequena. As espécies de Culicidae possuem comportamentos reprodutivos diferentes ao longo do ano, algumas com maior concentração de larvas no período seco.
A elevada presença de Culex é comum aos locais urbanos, e no caso da ETE, a intensa arborização e disponibilidade de nutrientes na água tornam a ETE um local propício à procriação. Os culicídeos encontrados neste estudo (Culex nigripalpus, C. saltanensis e C. culex sp.) não são descritos como transmissores de febre amarela, porém vale a pena ressaltar que C. nigripalpus são conhecidos vetores de doenças na Flórida, EUA. Da mesma forma, algumas espécies de Culex podem ser agentes de elefantíase e arboviroses (como as encefalites virais e a Febre do Oeste do Nilo).
Com este estudo, observou-se a existência de reprodução contínua, ao longo do ano, pelos insetos aquáticos amostrados na ETE avaliada, indicando não haver preferência pela época do ano para a atividade reprodutiva. Isso indica a importância de uma boa gestão das ETEs para evitar casos de disseminação de insetos vetores.
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