Um Sistema de Informação Geográfica (SIG) é uma ferramenta sofisticada que organiza as informações territoriais segundo níveis de informação temáticos, permitindo a representação do mundo real em escala reduzida e sua posterior modelagem no espaço virtual do computador. De certa forma, a ferramenta de uso público Google Earth se assemelha à estrutura de um SIG, integrando imagens de sensoriamento remoto de alta resolução com informações temáticas diversas (rede viária, limites geográficos, locais turísticos e comerciais, etc.) e permitindo inclusive, operações básicas como cálculos de distância e de áreas.
Sob outra perspectiva, os SIGs possuem um conjunto de operações que permitem integrar dados digitais resultando em novos produtos, que podem ser expressados como mapas ou imagens, imitando o procedimento pretérito de sobreposição de mapas desenhados em folhas transparentes, utilizado por profissionais liberais para diversas aplicações, por exemplo para elaborar zoneamentos.
A palavra “zoneamento” é um neologismo, que implica a definição e caracterização de zonas em função de critérios técnicos previamente estabelecidos e representa um instrumento de auxílio às políticas públicas para o ordenamento territorial no contexto municipal, regional ou nacional, dependendo assim da escala de trabalho considerada. Quando são relacionados produtos agrícolas com estados ou países, estamos realizando uma espécie de zoneamento climático e de solos em função da posição geográfica, por exemplo, café da Colômbia, maçã da Califórnia, uva da Itália, azeitona da Espanha, etc.
No Brasil ainda existem dúvidas sobre quais critérios devem ser priorizados no desenvolvimento de um zoneamento, muito embora exista uma significativa plataforma legal. O Programa de Garantia da Atividade Agropecuária – PROAGRO, lei 5.963/1973, foi um importante instrumento da política agrícola do Governo Federal, que por diversos motivos, derivou na adoção do zoneamento agrícola, baseado na redução de riscos agroclimáticos e aumento da produtividade. Os trabalhos que forneceram sustentação científica ao zoneamento agrícola envolveram as culturas de algodão, arroz, café, feijão, maçã, milho, soja e trigo, sendo registrados e discutidos em revista técnico-científica especializada.
A Lei 6.938/1981 transformou o zoneamento ambiental em instrumento da Política Nacional do Meio Ambiente, sendo criada uma câmara técnica inserida no Conselho Nacional do Meio Ambiente (CONAMA), para tratar do assunto. Essa política tem por objetivo a preservação, melhoria e recuperação da qualidade ambiental propícia à vida, visando assegurar, no País, condições ao desenvolvimento socioeconômico, aos interesses de segurança nacional e à proteção da dignidade da vida humana.
Para compatibilizar os zoneamentos agrícola e ambiental, foi criado o Decreto 4.297/2002, que regulamenta as leis ambientais, estabelecendo os critérios mínimos para o desenvolvimento do zoneamento ecológico-econômico do Brasil (ZEE), que, assim, foi transformado no instrumento de organização do território a ser obrigatoriamente seguido na implantação de planos, obras e atividades públicas e privadas, estabelecendo medidas e padrões de proteção ambiental destinados a assegurar a qualidade ambiental dos recursos hídricos e do solo e a conservação da biodiversidade, garantindo o desenvolvimento sustentável e a melhoria das condições de vida da população, enfim, para concretizar “o ordenamento territorial”. Nesse contexto, o ZEE deverá ser reavaliado, de maneira a adequar suas características, geralmente estabelecidas em escala regional para o âmbito local, envolvendo planos, obras e atividades públicas e privadas.
O ZEE tem por objetivo geral organizar, de forma vinculada, as decisões dos agentes públicos e privados quanto à utilização, direta ou indireta, dos recursos naturais, assegurando a plena manutenção do capital e dos serviços ambientais dos ecossistemas. Assim, a distribuição espacial das atividades econômicas levará em conta a importância ecológica, as limitações e as fragilidades dos ecossistemas, estabelecendo vedações, restrições e alternativas de exploração do território e determinando, quando for o caso, a realocação de atividades incompatíveis com suas diretrizes gerais.
O processo de elaboração e implementação do ZEE deverá incorporar, obrigatoriamente, quatro aspectos relativos às atividades civis e organizadas: (i) sustentabilidade ecológica, econômica e social; (ii) ampla participação democrática; (iii) conhecimento científico multidisciplinar; e, (4) obedecer a Política Nacional do Meio Ambiente e aos princípios sócio-ambientais, da propriedade, da prevenção, da precaução, do poluidor-pagador, do usuário-pagador, da participação informada, do acesso equitativo e da integração.
A elaboração do ZEE foi modificada em função do Decreto 6.288/2007, que designou o Poder Público Federal como seu executor, em cooperação com os Estados e disponibilizando publicamente as informações geradas. Nesse contexto foram claramente estabelecidas as escalas de trabalho: (1) 1:5.000.000 para o território nacional aos efeitos de apresentação, com referência para 1:1.000.000; (2) escalas diferenciadas nas macrorregiões, sendo 1:250.000 até 1:100.000 para a região Sul; (3) ZEE local nas escalas 1:100.000 e superiores. Assim, cada escala de trabalho corresponde ao ordenamento territorial na esfera nacional, estadual (regional) e municipal, respectivamente.
O conceito de escala é extremamente importante aos efeitos de mapeamento, do ponto de vista metodológico e de custos, pois determina o tamanho de um objeto no mapa ou imagem. Pro exemplo, no caso de escala 1:1.000.000, um objeto de um quilômetro de cumprimento equivale a um milímetro no mapa, assim, objetos ou características com dimensões inferiores a 100 metros não serão visualizadas. Os custos aumentam na medida que o divisor da escala se torna menor.
Ainda é detalhado o conteúdo do ZEE, que dividirá o território em zonas, de acordo com as necessidades de proteção, conservação e recuperação dos recursos naturais e do desenvolvimento sustentável, observando os seguintes critérios mínimos: (1) diagnóstico dos recursos naturais, da situação socioeconômica e do marco jurídico-institucional; (2) SIG; (3) cenários de tendências e alternativas; (4) diretrizes gerais e específicas: necessidades de conservação ambiental e conservação das águas; orientações para as atividades produtivas; definição de áreas para unidades de conservação. Destaca-se aqui a relação direta entre ZEE e SIG derivada do item (2).
Vários estados brasileiros adiantaram o desenvolvimento do ZEE, entre eles o Distrito Federal, Mato Grosso, Mato Grosso do Sul, Paraná, Rondônia, Roraima, Piauí e Tocantins, existindo vários territórios já levantados, nos estados de Acre, Amapá, Amazonas, Bahia, Ceará, Pará e Rio Grande do Sul (www.iema.es.gov.br).
O ZEE é o principal instrumento que orienta às políticas públicas no contexto de ordenamento territorial no Brasil, baseado em conotações técnicas e legais de fomento ao desenvolvimento sustentável com ênfase na trilogia ambiente, economia e sociedade, integrando conhecimentos multidisciplinares em ambiente SIG, sendo que a escala de trabalho para as macrorregiões do Sul do Brasil deverá ser no mínimo 1:250.000 e no máximo 1:100.000.
A evolução das tecnologias e a dinâmica do mundo contemporâneo interagem com os diversos setores da sociedade, obrigando ao poder público à renovação do sistema legal, que precisa mudar para acompanhar o processo. Lamentavelmente, a “luta de poderes” nem sempre confirma um direcionamento positivo na questão ambiental, como sugerem as recentes modificações propostas para o código Florestal. A Lei Ambiental de 1981 foi influenciada pela Conferência sobre Meio Ambiente Humano da Organização das Nações Unidas em Estocolmo, no ano de 1972, assim como por diversos acontecimentos relacionados ao meio ambiente que ocorreram nas décadas anteriores (DIAS, “Educação Ambiental: princípios e práticas”, 1992). Apesar de certa demora associada ao processo, os decretos de 2002 e 2007 expressam claramente a necessidade de enquadramento do ZEE com as inovações tecnológicas das últimas décadas, fato expresso nos conceito de sustentabilidade, de escala de trabalho e de SIG.
Muito embora a expressão “ordenamento territorial” possua forte conotação política, ela ganha contexto no âmbito do ZEE, que estabelece uma divisão territorial em zonas conforme uma ampla gama de critérios técnico-científicos, enfatizando o papel do SIG para organizar, processar, integrar e modelar os níveis de informação disponíveis (clima, geologia, geomorfologia, unidades de solo, vegetação, uso da terra, infraestrutura, divisão territorial e dados socioeconômicos). Nesse sentido, o SIG representa um poderoso instrumento para o ordenamento territorial pois consolida a base técnico-científica de suporte, visando a otimização da trilogia ambiente - economia - sociedade. No entanto, ele representa o início do processo, que deve ser valorizado e apoiado por ações subsequentes, envolvendo as autoridades e a sociedade civil organizada, de maneira que o conhecimento se transforme em processos de indicação de procedência que resultem em agregação de valor os produtos das diversas regiões do território brasileiro.
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