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Genética          
Guardar a semente é recuperar a humanidade
Projeto de pesquisa Sementes Crioulas mantém acervo genético de sementes, e mais que isso, forma memória social da Agricultura Familiar na região Sul do país. O IV Seminário de Agrobiodiversidade e Segurança Alimentar, realizado anualmente pela Embrapa e Emater, divulga o envolvimento desse segmento na Agricultura
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Embrapa Clima Temperado
22/07/2014

Resgatar, relembrar, guardar, selecionar e retornar. Essas foram algumas das palavras mais mencionadas durante o IV Seminário de Agrobiodiversidade e Segurança Alimentar, durante os dias 15 e 16 de julho, numa promoção da Embrapa Clima Temperado, de Pelotas/RS e a Emater/RS-Ascar. O foco de atenção, nesta edição, esteve voltada ao papel da guardiã de sementes, a mulher, e a possibilidade de também recuperar as raças animais crioulas.

Conforme o pesquisador e organizador do Seminário, Irajá Ferreira Antunes a realização ano após ano, tem sido feita pela preocupação da perda genética, que foi evidenciada ao longo dos tempos. "Os seminários servem para promover essa conscientização, para dar a real importância que as sementes crioulas tem para a Agricultura e são uma forma de popularizá-las", ressalta. Para ele, corre-se o risco também de se perder a figura do guardião de sementes.

Rubens Nunes da Rosa, é guardião de sementes do município de Cerrito/RS. Ele é o responsável por organizar o grupo quilombola "Lechiguana", com 28 famílias. Ele conta que o guardião de sementes, é aquele que vai juntando com os amigos as sementes antigas. Na rotina está o desafio de permanecer por um tempo num galpão quente e ficar separando os materiais. "É preciso ficar catando as sementes, tem que armazenar de maneira diferente, assim como, tem que separar para não misturar. Tem de passar de uma a duas horas, tratando o material. Tem todo um envolvimento com a família. Pois, a gente não faz nada sozinho", fala.

Atualmente, eles tem quatro variedades de milho sendo resgatadas no seu banco de sementes. No passado, eram oito variedades. "A gente foi deixando disparar pelo meio dos dedos o nosso material, e vieram as propagandas, dizendo que tinha uma semente boa, que a nossa não tava dando o mesmo resultado", comenta. Seu Rubens disse que ao recomeçar o trabalho de recuperação de sementes, o grupo sentiu a diferença na produção e no resultado do alimento. "As instituições tem nos ajudado muito. A gente quando é pequeno, precisa de alguém que nos pegue da mão e nos ajude a caminhar", reconheceu.

Depois desse reconhecimento, a produção de alimentos do grupo de quilombolas faz parte da merenda escolar do município. "E o excedente da merenda, o que fica na horta, fazemos a feira agroecológica semanal", disse. "Estamos muito satisfeitos com o retorno financeiro e com o nosso trabalho", declarou.

E isso, também é uma forma que o projeto de pesquisa de Sementes Crioulas vem transformando. Conforme o pesquisador Irajá o guardião ele preservava as sementes, e o que ele produzia era para seu consumo. "O que está começando a acontecer é uma aproximação do agricultor do consumidor. E há uma busca do cidadão urbano pelas sementes crioulas pelo valor que ela apresenta", destaca.

As sementes Crioulas
A semente crioula é aquela que está sendo plantada sempre no mesmo lugar. Se ela é levada daquele ambiente, terá que se adaptar ao novo local, mas permanecerá crioula. Ela tem uma estabilidade de produção, pelo fato dela ter se adaptado aos ambientes por que ela passa por todas aquelas condições climáticas positivas e negativas.

O agricultor, enquanto seleciona as sementes, pode-se dizer que é alguém que faz um melhoramento genético. Para o pesquisador Irajá, o agricultor é sim um melhorista de plantas. Toda a variedade crioula não tem um valor nutricional superior as demais, pela sua grande variabilidade, elas podem ter alguns elementos mais, ou menos, superiores em termos nutricionais.

O projeto visa recuperar as sementes crioulas que estão sendo ameaçadas de perdas, por erosão genética, por substituição por variedades novas, por questões climáticas, migração do agricultor para as cidades e pela inexistência de um herdeiro para esse guardião. "A gente procura manter esse material, caracterizar e estudar sob o ponto de vista nutricional e adaptação e redistribuir para os agricultores", fala Irajá, do objetivo central do projeto de pesquisa.

Conforme Irajá, o grande valor que a semente crioula carrega é o patrimônio cultural. "O que ela carrega por trás, todo um trabalho e toda uma concepção cultural do agricultor. Esse é o grande diferencial da semente crioula da tradicional", revela.

Dentro deste aspecto, o trabalho merece destaque pela preservação de um patrimônio. E fortemente por este contexto, o Secretário Municipal de Desenvolvimento Primário de Rio Grande/RS, Cledenir Mendonça, que também é historiador, inseriu-se ao projeto ao aceitar realizar também a memória social. "Os guardiões são os mantenedores de uma identidade e de um sonho de uma cidade que não se via assim. Rio Grande nos dias de hoje por ser reconhecida por acolher o Polo Naval, e por todo um contexto da indústria da pesca, esqueceu que é uma cidade rural pelas suas raízes históricas. Através desse projeto, foram propostas iniciativas num município que despertou pra enxergar em si, um espaço rural que tem que ser fomentado por que tem produção, um espaço que encerra economia e identidade cultural", defendeu.

Cledenir Mendonça diz que a Embrapa realiza a memória genética dos agricultores e o poder público municipal faz as entrevistas. Através da técnica de entrevista, ele relata que os agricultores lembram da época que não tinha luz, do uso do lampião e da vela, das histórias do boi-tatá, da inexistência de estradas. "As relações se perdem e se consegue com esta articulação, resgatá-las. Tu mexes com a sensibilidade, com algo que se perdeu. É encantador. Essas incursões e referências vem à tona, e ali, está a semente, ali está a vida. E isso não pode se perder, por que se a gente deixar, a gente deixa de ser agente de mudança, a gente deixa de ser", frisou.

Cledenir Mendonça conseguiu identificar 19 guardiões de sementes, da Ilha dos Marinheiros, os quais recuperaram a produção de abóbora-gila, variedades de milho e quatro tipos de variedades de feijões.

O guardião de sementes
O guardião de sementes é o agricultor familiar, o quilombola e o indígena que conservam as sementes crioulas. Ele tem dois papéis: o que guarda as sementes e o que as seleciona dentro das variedades estudadas pela Embrapa.

Outro pesquisador envolvido no projeto é Gilberto Bevilacqua. A figura do guardião de sementes, conforme ele, surgiu nos encontros com entidades ligadas à Agricultura Familiar, onde foi indicada o seu resgate. "Descobrimos que se poderia trabalhar com o sujeito da semente crioula, e não somente com as variedades, e que eles estavam presentes nos três estados do Sul", sinalizou.

Essa identificação iniciou há cinco anos. A concentração dos guardiões tem se dado na região sul do Estado e na região Central, como exemplo, o município de Ibarama, considerado um pólo do desenvolvimento das sementes crioulas. Outro ponto é no Noroeste colonial do Estado, como o município de Tenente Portela e seu entorno.

Com isso, foram formadas associações. Há duas reconhecidas: em Tenente Portela e em Ibarama, e a Embrapa e a Emater/RS-Ascar estão dando apoio para novas formalizações, pois é necessário a visibilidade e o reconhecimento desses agricultores.

Onde encontrar os guardiões: + 120 guardiões identificados no projeto Sementes Crioulas, e dados com entidades ligadas à Agricultura Familiar;
+ feiras de troca-troca são fontes de identificação de guardiões;
+ feiras agroecológicas, também são formas de incentivar e reconhecer sementes crioulas;

A formação de associações
Marcos Pandolfo, é um articulador da Associação dos Agricultores Guardiões de Agrobiodiversidade (Agabio), de Tenente Portela/RS. Esta associação é formada por guardiões, com 30 famílias, que viu uma forma de se organizarem e de defenderem a proposta de trabalho de preservação das sementes crioulas. "O trabalho associativista é sempre mais lento, por que é um trabalho de relações entre as pessoas, mas quando as conquistas acontecem é muito gratificante por que é do coletivo. Foram alcançadas a capacitação de guardiões e estruturas para armazenamento dos materiais", comenta.

A Agabio tem três anos de criação. A associação trabalha com a produção da recuperação de variedades de milho, feijão, cucurbitáceas, batata-doce entre outras. As associções indígenas fazem parte das suas atividades. "O material genético está sendo recuperado, mas também o conhecimento. Há muitos saberes com os indígenas", fala.

Guardiões Mirins
Para o pesquisador Gilberto Bevilacqua os agricultores mais novos não tem as mesma vivência que os mais velhos de guardarem suas sementes. "Por que o medo é que não haja herdeiros. E os seminários são uma forma de motivar também jovens a continuar o papel dos guardiões", observa o pesquisador Irajá Antunes.

O trabalho da Secretaria Municipal de Educação, de Canguçu/RS, vem a contribuir com esta preocupação e está relacionada à formação de gerações. O município realiza tradicionalmente a Feira de Sementes Crioulas, promovida pela União das Associações do Interior de Canguçu (UNAIC). "Fazemos mostras educacionais dentro da feira, com alternativas de produção de alimentos, de produção de sementes e com ações e práticas mais ecológicas e mais baratas", contou a professora Patrícia Bierhals.

A Secretaria realizou um sorteio de kits de sementes crioulas junto aos estudantes, os quais se tornaram potenciais guardiões, passando a serem considerados os guardiões-mirins de sementes crioulas de Canguçu. "Estamos formando esses estudantes, futuros guardiões, que participaram de um dia de campo, junto aos professores das Escolas envolvidas, à Estação Experimental Terras Baixas da Embrapa para conhecerem os trabalhos da pesquisa e à Bionatur", disse. Segundo Patrícia, a lógica do trabalho com as escolas é fugir dos pacotes tecnológicos. Como esse trabalho de resgate das sementes crioulas não é considerado popular, há o interesse em divulgar o trabalho dos guardiões de sementes e esclarecer o seu real papel. "Vamos realizar uma capacitação em agosto, no Centro de Treinamento do Agricultor de Canguçu (CETAC). Entendemos que no ambiente escolar, se retoma o encantamento do mundo de cada um, e através desse resgate do trabalho rural, está contida a história de vida dos alunos", diz Patrícia.

"Ser guardião-mirim é ter orgulho de preservar as origens, o que os teus antepassados nos deixaram. A semente, ela não representa somente uma semente, ela representa um estilo de vida. Eu faço esse trabalho por que gosto, não por obrigação", relatou a guardiã-mirim e estudante, Thalía Lima, de 14 anos, de Canguçu/RS, diante da plateia do IV Seminário.

A coordenadora dos guardiões-mirins e professora Sirlei Lenice Rodrigues, mãe de Thalía, diz se sentir com o dever cumprido pelo fato de aceitação da filha ao envolver-se no projeto. Ela também falou junto aos participantes do evento como é o trabalho de formação do grupo infanto-juvenil: "Fizemos práticas com os alunos, onde eles são orientados como devem plantar cultivar a terra, colher e separar as sementes. Nos finais de semana, promovemos visitações em propriedades e outras instituições de interesse para melhorar o entendimento sobre o seu papel e a sua contribuição", explicou.

Avaliação do evento
Para o assistente técnico regional da Emater/RS-Ascar, Fernando Horn, a edição deste ano do Seminário trouxe representações significativas. "Primeiro a participação que superou com 350 participantes, depois, com os relatos das guadiãs, de como elas recebem esse papel e o quanto elas contribuem para esta prática, além dos guardiões-mirins, que nos dão a perspectiva da manutenção da Agrobiodiversidade sendo continuada pelo jovem", pontuou.

Para ele, outro significado a ser ressaltado neste evento foi: "A diversidade das raças, pois encontramos no evento brancos, índios, quilombolas, espanhóis".

Outra forma de resumir como foi o evento, estão nas palavras do guardião Flávio Xavier Machado, quilombola, de São José do Norte/RS: "Eu me senti no Brasil!".

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