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     19/04/2024            
 
 
    

Talvez por desconhecimento ou conveniência, a agricultura irrigada brasileira ainda parece estar orientada por critérios supostamente técnicos, ignorando os apelos recentes da sociedade a favor da incorporação de objetivos econômico-sócio-ambientais em suas ações. Apesar de reconhecidas e incontestáveis vantagens, a prática da irrigação não consegue ser incorporada ao processo produtivo da maioria dos agricultores, claramente demonstrando haver sérios obstáculos que limitam sua utilização, tornando inexpressiva a área irrigada brasileira, correspondente a 2% da área irrigada mundial, 15% da área potencialmente irrigável e 7% da área agrícola cultivada no país.

Pelo menos dois obstáculos à adoção da prática da irrigação na agricultura brasileira podem ser facilmente identificados: o desconhecimento da existência de sistemas mais econômicos e o elevado custo dos sistemas pressurizados disponíveis. Por essas razões, a procura por alternativas que conduzam à divulgação de sistemas alternativos e a redução de custos fixos e variáveis, ajustada às exigências sócio-ambientais, deveria ser priorizada no contexto do ensino, pesquisa e extensão universitária. Assim, a tecnologia de irrigação deveria atender às expectativas dos agricultores em relação aos custos de investimento e operacionais e à sua capacidade de gestão no projeto. Portanto, é importante desenvolver procedimentos baseados nessa realidade, que se inicia ao recomendar sistemas de irrigação muito bem ajustados àquelas expectativas. Ao mesmo tempo, procurar uma efetiva integração dos sistemas com os irrigantes, habilitando-os a resolver com rapidez e competência, eventuais problemas operacionais em seus projetos.

Pesquisas recentes têm revelado que, a maioria dos agricultores em regiões com destacada tecnologia agrícola, como o Vale de San Joaquín, no Estado da Califórnia, EUA, utiliza sistemas por superfície para irrigar culturas anuais e perenes (Agricultural Water Management Council and California Water Coalition. Irrigation Practices and Influencers Survey Findings, 2010). A programação das irrigações nessas culturas baseia-se, principalmente, nas experiências adquiridas através da observação visual da condição da água no solo ou nas plantas cultivadas, sem recorrer a procedimentos tecnológicos. A principal razão para justificar esta conduta foi atribuída ao custo relativamente elevado da informação, mesmo considerando que dispõem, gratuitamente, desde 1978, acesso ao programa CIMIS (California Irrigation Management Information System) que administra uma rede estadual com mais de 125 estações meteorológicas automáticas, para estimar o consumo de água das culturas na programação das irrigações. Ao que parece, apesar dos comprovados argumentos tecnológicos, ainda prevalece a bem sucedida experiência dos agricultores no manejo das irrigações em suas plantações.

Aproximadamente 70% da água doce do planeta são utilizados na agricultura. Na China e Índia, essa proporção se aproxima de 90%. Em 2002, mais de 30 países já revelavam restrições na disponibilidade de água para múltiplas finalidades (Fischer et al., 2002). Em 2050, este número poderá atingir 55 países, sendo a maioria em processo de desenvolvimento. A previsão de escassez hídrica juntamente com a degradação dos solos deverão se constituir nos principais obstáculos à produção de alimentos, fibras e energia renovável. Essa previsão, associada à elevada proporção de uso na agricultura irrigada, deveriam motivar investigações oportunas para enfrentar essa realidade. Porém, ainda prevalecem dimensionamentos baseados em dotações irrestritas de recursos hídricos, ao invés de induzir restrições hídricas intencionais e seletivas para racionalizar a aplicação de água na produção agrícola.

Ao que parece, a incorporação de conceitos atuais como “irrigação deficitária”, “efeitos compensatórios de déficits hídricos moderados nas culturas” e “inclusão da eficiência de uso de água na avaliação da irrigação”, decisivos para assegurar a sustentabilidade da agricultura irrigada, não consegue sensibilizar muitos técnicos, que ainda praticam conceitos desgastados de dotação hídrica irrestrita. Assim procedendo, comprometem o potencial de armazenamento da água de chuva nos solos irrigados, que permite resgatar a uniformidade de distribuição espacial e reduzir o escoamento superficial, que acelera processos erosivos, degrada o solo e a água agravando o assoreamento em mananciais.

Outras vezes, as sugestões são revestidas por argumentos polêmicos. Assim, é amplamente reconhecido que os sistemas de irrigação localizada (microaspersão e gotejamento) quando constituídos por componentes de qualidade e adequadamente dimensionados e operados, revelam um enorme potencial para economizar água em culturas e condições adaptadas às suas exigências. Entretanto, a ausência desses atributos pode reduzir o desempenho desses sistemas, a níveis comparáveis, ou até mesmo inferiores, aos sistemas tradicionais por aspersão ou superfície. Além disso, não se deve ignorar o elevado custo de investimento e a exigência de qualidade da água para assegurar um desempenho satisfatório, requerendo um eficiente sistema de filtragem que aumenta os custos e o consumo de energia. Considerando que a água de irrigação provém, quase totalmente, de recursos hídricos superficiais e, portanto, rica em material sólido em suspensão, pode-se antecipar o rigor no dimensionamento e a frequência da retrolavagem dos filtros, necessários para assegurar um funcionamento adequado do sistema. Como agravante, deve-se considerar a dificuldade para se recuperar gotejadores obstruídos onde, quase sempre, sua substituição representa a única onerosa alternativa capaz de reconstituir o sistema de irrigação avariado, agravado ainda pelo descarte prematuro de um material dificilmente reaproveitado ou reciclado.

Um dos argumentos mais utilizados para incentivar a irrigação localizada baseia-se na comparação com outros sistemas executados em condições desfavoráveis e sem nenhuma orientação técnica. Deve-se reconhecer um indesejável grau de irresponsabilidade, ao se comparar sistemas incorporando níveis elevados de tecnologia com outros, totalmente artesanais. Ignoram esses argumentos que, em condições favoráveis de solos e topografia, os sistemas por superfície podem revelar desempenhos comparáveis aos mais sofisticados sistemas de irrigação localizada, utilizando águas superficiais, que mesmo estando altamente contaminadas por substâncias orgânicas e minerais, inclusive coliformes fecais, contribuem para mitigar esse prejuízo ambiental, enriquecer o solo com nutrientes, além de assegurar a qualidade da produção, até mesmo para o consumo in natura, uma vez que a água não entra em contato com a parte da planta a ser consumida. Além disso, utilizam a gravidade terrestre para distribuir a água na área irrigada e, portanto, podem dispensar estações de bombeamento ou reduzir drasticamente as dimensões dessas estações e o consumo de energia. Operação simples, sendo facilmente integrados às expectativas dos irrigantes que, quando adequadamente orientados, tornam-se competentes gestores em seus projetos. Além disso, não se deve ignorar as possibilidades de empregos especializados que a irrigação por superfície pode oferecer, por se tratar de projetos únicos, onde todas as suas fases são desenvolvidas pelo técnico responsável. Nesse caso, o papel do técnico vai muito além de contatar uma empresa fabricante pela internet ou telefone. Simplesmente, não existem empresas que fabricam sistemas de irrigação por superfície.

É lamentável ignorar que a irrigação por superfície é ainda extensivamente praticada no mundo, com percentuais superiores a 60%. Somente nos Estados Unidos, estão presentes em 9 milhões de hectares, o dobro de toda área irrigada brasileira. Mesmo no Estado de Nebraska, onde se instalaram as maiores empresas fabricantes do sistema automatizado pivô central, irrigam quase 1 milhão de hectares de milho e soja. Também, deve-se admitir, que os critérios para avaliação do desempenho de sistemas de irrigação deveriam ser revistos ou ampliados, sob a crescente demanda por sustentabilidade, notadamente em condições de ocorrência de chuvas durante a estação de cultivo. Assim, por exemplo, a possibilidade de trocar as perdas de água no final dos sulcos por acréscimos de área irrigada, que mesmo apresentando alguma deficiência hídrica intencional, favorece aspectos econômicos e ambientais.
Outro conceito importante que merece ser reavaliado refere-se à eficiência de aplicação de água. A rigor, qualquer perda eventual de água por percolação, muitas vezes inevitável em qualquer sistema de irrigação, representa algum prejuízo apenas para o irrigante responsável, pois não se caracteriza como uso consuntivo, a semelhança da quantidade de água evapotranspirada ou constituinte dos tecidos vegetais. Dessa maneira, qualquer quantidade percolada, certamente estará disponível para utilização pelos irrigantes localizados à jusante daquele ponto na bacia hidrográfica, praticamente revertendo esse aparente prejuízo.

A seleção adequada de aspersores representa uma oportunidade decisiva para racionalizar o consumo de água e energia nos sistemas por aspersão. Aspersores pequenos, dotados de bocal único com diâmetro em torno de 3 mm, podem operar satisfatoriamente quando espaçados de 12 m, acionados por cargas hidráulicas próximas a 20 m, com significativa redução no consumo de energia e nas dimensões das instalações de bombeamento. Nessas condições, tubulações de PVC para aplicações sanitárias podem integrar a rede de distribuição e, quando enterradas a 30 cm de profundidade, contemplam uma estimativa de vida útil superior a 20 anos. A intensidade média de precipitação inferior a 4 mm/h, praticamente elimina a possibilidade de ocorrência de escoamento superficial em qualquer condição topográfica ou tipo de solo. O maior período de aplicação de água pode transformar as variações na velocidade e direção dos ventos, em maior uniformidade de distribuição espacial da água aplicada, além de viabilizar uma conveniente operação noturna, usufruindo tarifas diferenciadas de energia elétrica.

Finalmente, não se deve desprezar o fator econômico. Um sistema de irrigação por superfície com sulcos de 120 m de comprimento, tem um custo de investimento avaliado em R$ 500,00 por hectare, que representa uma pequena proporção do valor investido em sistemas pressurizados. Aumentando-se o comprimento dos sulcos, em solos e topografias mais favoráveis, o custo será proporcionalmente reduzido. A facilidade operacional e a possibilidade de incorporar fertirrigação, também de baixo custo, utilizando fertilizantes comuns, e até mesmo orgânicos, tornam o sistema bastante ajustado às expectativas de agricultores descapitalizados, praticantes de agricultura orgânica ou tradicional, e satisfazendo as principais exigências que a sociedade requer de projetos agropecuários que incorporam uma reconhecida interferência ambiental.

Portanto, os argumentos utilizados para se promover sistemas de irrigação que, apesar do elevado potencial de desempenho em culturas adaptadas, revelam maiores custos e exigências operacionais, podem desestimular o interesse dos irrigantes, que continuarão procedendo segundo suas convicções e conveniências. Talvez fosse mais recomendável considerar sistemas de irrigação mais acessíveis, corrigir comportamentos comprometedores, facilmente identificáveis em projetos sem orientação técnica. Assumindo este desafio, evitaríamos transferir a responsabilidade de se obter um melhor desempenho nos projetos às empresas fabricantes de equipamentos de irrigação e demonstrar nossa competência, aliada ao desejável envolvimento dos irrigantes, nesse inadiável compromisso para assegurar a sustentabilidade na agricultura irrigada.

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Devaney Godoi
05/02/2018 - 22:32
Um grande problema não abordado é o tamanho das propriedades. Na transposição do São Francisco, inicialmente o governo está impondo quantidade de água suficiente para meio hectare. Face à dificuldade da obtenção de grande quantidade de água, além do possível a medida é correta, inclusive para prevenir a especulação imobiliária.Porém, mesmo havendo fartura de água, haverá o problema de preço. O pequeno agricultor não poderá competir com o grande, e os programas de irrigação deveriam priorizar as pequenas propriedades, depois as médias e se sobrar, atende-se as grandes, pois os grandes podem investir do próprio bolso, e usar menos,os volumes de água obtidos com recursos públicos.Planos de irrigação sem preocupação social, sem investimentos localizados,para treinamento, equipamentos individuais subsidiados não será de justiça, pois perpetuará a miséria em áreas ricas. O nordeste pode ser a nova Califórnia, sem as guerras como a de Los Angeles, e com justiça e distribuição de emprego e renda.No meu entender tudo é uma coisa só.

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